Meu vício em livros
Um texto pessoal sobre uma vida inteira girando em torno daquele que dizem ser o único vício saudável.
Eu tenho pensado bastante sobre meu vício em livros desde que assisti a uma entrevista com o Roberto Bolaño em que ele fala sobre o seu próprio vício. Nela, Bolaño responde à pergunta do entrevistador:
“Os livros, para você, são tão necessários quanto o pão, o ar…”, ao que Bolaño responde sem titubear, chegando a interrompê-lo:
“Sim, sim, sim. No meu caso é uma obsessão, compro os livros e sequer os leio, eu simplesmente os acaricio. Tenho alguns livros que comprei e nunca li, e que sei que nunca lerei, mas eu os compro e de vez em quando os folheio. Eu gosto de estar cercado por eles.”
No momento em que vi esse trecho, pausei o vídeo e dei o sorriso de quem reconhece um irmão. Também sou assim: tenho mais livros do que conseguiria ler em cinco vidas, e continuo comprando. Eu inclusive estou ciente de que precisaria ser, no mínimo, um imortal para conseguir ler tudo o que eu gostaria, mas mesmo assim continuo comprando sempre que posso, e sempre que me dá vontade. Também adoro ganhar livros, claro; para mim, é o presente perfeito, algo que simplesmente não tem erro porque eu não gosto apenas de ler, mas eu gosto de tê-los, acariciá-los, cheirá-los e, como Bolaño, estar cercado por eles. Por isso em minha casa você encontrará livros em praticamente todos os cômodos, por isso eu levo livros pra cama, por isso sempre levo livros na mochila quando saio de casa. Perto deles, sinto que estou no meu lugar. Eles me dão paz, me acalmam, tranquilizam. Talvez seja um fetiche, talvez seja uma obsessão, mas honestamente não me importo.
Nos raros momentos em que tento justificar a mim mesmo essa obsessão, lembro de uma crônica do Nelson Rodrigues, onde ele confessa ter desenvolvido, na vida adulta, uma verdadeira obsessão por comer pão com ovo, uma comida simples, mas da qual fora privado em sua infância pobre, obrigado a testemunhar um colega da escola, todos os dias, se deleitar e se lambuzar com aquele lanche naquele momento tão distante de sua realidade econômica. No meu caso não foi a falta de pão com ovo que me traumatizou e gerou uma obsessão compensatória tardia, mas a falta de livros. Na infância, nunca tivemos dinheiro para gastar com isso, e quando me tornei um jovem leitor, as únicas alternativas de que dispunham eram a biblioteca pública do bairro, e meu amigo Roberto Menezes, que dava aulas de física e nunca hesitou em me emprestar seus livros do Stephen King.
A propósito: a facilidade com que hoje se pode acessar o livro ter resultado justamente no momento mais tenebroso da história da leitura nesse país é uma das coisas que mais me escandaliza quando olho para minha própria história e lembro dos contorcionismos que precisava fazer para conseguir ler alguma coisa.
Voltando ao tema principal desse texto, bom, não é só a materialidade dos livros que tem estado presente em minha vida: meu filho se chama Ulysses, minha filha se chama Alice (ele, por causa de Homero; ela, por causa de Lewis Carroll) e a Raquel (mãe deles) e eu nos conhecemos, veja só, numa rede social de livros, o Skoob. Acha pouco? Que tal essa então: larguei a carreira jurídica e todo o seu potencial financeiro para trabalhar como, pasmem, livreiro. Por quê? Porque não era dinheiro o que eu queria, o que eu queria apenas era estar cercado por algo que amava em todos os momentos da minha vida. Ainda é pouco? Bom, sou escritor, algo que decidi aos 12 anos que seria, embora só tenha começado a verbalizar esse sonho por volta dos quinze anos, e como qualquer escritor tive que me sacrificar e abrir mão de um monte de coisas. Vê? O livro está em todos os lugares da minha vida, e ainda assim não é suficiente.