Eu gosto de dividir os livros entre aqueles que crescem após ter passado algum tempo do término da leitura, e aqueles que diminuem. Normalmente identifico os livros do primeiro grupo após me pegar pensando nele em momentos aleatórios, muitas vezes meses ou anos depois de o ter lido.
Posso citar um exemplo, claro: A morte do pai, do Karl Ove Knausgard, foi um livro que, pelo menos para mim, cresceu bastante. Quando o li pela primeira vez eu era casado fazia pouco tempo, ainda não tinha filhos e sabia pouco acerca dessa parte da vida. Naquele momento a leitura foi uma experiência apenas okay, sem nada a ser exaltado ou destacado, exceto por uma ou outra frase bonita ou reflexão vigorosa. Um ano depois eu ainda me pegava pensando naquele livro. Dois anos depois era um dos melhores livros que eu já havia lido. Três anos depois eu tive vontade de reler e uau, que livro grandioso, preciso dar continuidade à série.
Bom, aqui estou eu oito anos depois escrevendo a respeito. Fácil de pegar a ideia, certo? É o oposto do livro que de imediato gostamos muito, adoramos, pensamos UAU QUE LIVRO!, e que vai minguando ao longo dos anos até chegar no ponto em que sequer lembramos dele entre as nossas pilhas de leituras anuais.
Bom, recentemente eu li dois livros do primeiro tipo. O primeiro foi Aniquilar, do Michel Houellebecq, que na minha humilde opinião ainda é o maior escritor vivo, e o segundo foi Objeto Cintilante: História Sulfúrea, do meu amigo
, cuja publicação está prevista para esse ano. Vou falar um pouco de ambos.Em ambos os livros temos o bom e velho exemplo do grande A Vida Como Ela É: pessoas nada excepcionais, como a maioria das pessoas, vivendo vidas nada excepcionais, como a maioria das vidas, tendo suas rotinas atravessadas e quebradas por eventos nada excepcionais ou extraordinários, como a maioria dos eventos. Digo, nada que vá alterar a ordem do tempo, nada de importância cósmica e coisas assim. O que temos são eventos, reitero, banais, corriqueiros, como doença, morte, rotina no trabalho ou no casamento, a crise da vida doméstica ou social, a experiência transformadora da, mais uma vez, vida como ela é.
Ambos os livros incomodam, nos causam um certo mal-estar, uma certa... claustrofobia. Foi esse o termo que usei quando enviei para Timm o meu feedback: é um livro em vários momentos claustrofóbico, em outros um tanto desconfortável, e em outros ainda é um livro que lemos com um pouco da “vergonha do homem nu diante do espelho”. Vale para o livro do Houellebecq também. Outra característica que ambos compartilham é que eles ressoam. São livros acerca dos quais nos pegamos refletindo mesmo depois da leitura porque, bom, são livros sobre a vida como ela é, meu deus do céu, e a nossa própria vida, com suas respectivas particularidades, também é daquele jeito. E quando trazemos à tona essa reflexão, o que acontece é que nós temos medo. O medo daquilo que é corriqueiro, banal, comum, que em nada altera a ordem do tempo e sem qualquer relevância cósmica, mas que tem o poder de mudar ou destruir a vida de qualquer um de nós, e que, talvez, nos espere na curva da estrada.
A minha conclusão é de que é muito difícil passar indiferente por essas leituras, seja por causa de seu conteúdo, seja por causa de sua forma (uma prosa muito bem trabalhada, sem nada fora do lugar), e é óbvio que recomendo ambos veementemente.
Lisonjeado com essa ressonância em você e com meus pares no artigo. Valeu, meu caro!