Todo mundo que se tornou leitor deve ter em sua história um livro responsável por isso. O meu foi um livro infantil chamado Férias em Xangri-lá, da Teresa Noronha. Embora já fosse uma criança curiosa que lia tudo que me caía em mãos, foi aquele livro que criou em meu peito aquela famosa ânsia de querer encontrar mais daquele mesmo que nos leva de um livro a outro deliberadamente à procura daquele prazer familiar de ser levado para longe, bem longe de nossas rotinas e realidades entediantes ou desinteressantes. Portanto eu posso afirmar tranquilamente que existe um Roberto Denser antes, e outro depois daquele livro, e a diferença entre eles é que o primeiro lia apenas com uma curiosidade desinteressada (embora o termo possa parecer paradoxal), e o segundo por uma paixão avassaladora que transformava a leitura num escape para lugares melhores — e que resultou, mais tarde, numa curiosidade ativa.
Daquele livro em diante, era quase impossível me encontrar sem um livro em mãos, mesmo que já o tivesse lido inúmeras vezes. Na falta de novos livros (minha família não tinha muitas condições), lia e relia os textos de apoio dos livros didáticos de Língua Portuguesa com voracidade, e quando descobri a biblioteca pública, passava lá a maior parte do meu tempo livro (é assim que chamo o tempo livre que você escolhe dedicar à leitura).
Eu, adolescente, em companhia de um livro do Stephen King
Bom, olhando para trás percebo que a leitura foi a maior constante da minha vida, e talvez o fator mais determinante em meu destino: graças a ela nunca tive dificuldade com vestibulares, mesmo tendo sido um péssimo aluno e nunca ter dado a mínima para a escola enquanto lugar de formação intelectual (eu considerava muito mais importante a lição imperativa, contingente e inevitável da arte do convívio com o diferente); graças a ela tomei decisões importantes que vão da carreira que decidi seguir ao nome dos meus filhos; graças a ela eu quis formar leitores também. Porque quando você é agraciado com algo o ciclo só se encerra quando você passa adiante essa graça. Assim, aquele que foi tornado leitor se tornou escritor para tornar outros leitores também. Eu estaria sendo leviano se dissesse, como alguns colegas, que “apenas a minha expressão importa”, que “não escrevo para leitores, mas para mim mesmo”. Não é o meu caso, não tenho a menor intenção de ser o louco que grita no deserto. Eu escrevo para leitores: para os que vieram e ficaram, para os que estão de passagem, para os que ainda virão. Do contrário não faria sentido publicar (diga ao Sr. Escrevo Para Mim Mesmo que nesse caso a publicação seria dispensável e passa longe de fazer sentido, uma vez que seu objetivo já fora alcançado com a escrita em si, e assista um belo show de contorcionismo retórico de graça).
É por isso que eu sei a importância que meus leitores ocupam em minha vida. Antes de ser escritor, sou sobretudo leitor, e sei os caminhos que um livro percorre nas mãos de quem o lê: muitas vezes nos acompanham no ônibus ou metrô a caminho do trabalho ou da faculdade, muitas vezes vão conosco para a cama e até em momentos mais íntimos que esses, como um vaso sanitário ou, mais ainda, um sonho. Também sei que a experiência do livro não se perde (levamos até o dia de nossa morte o livro que um dia lemos), e que muitos mudam nossas ideias, destinos, direções, assim como aquele pequeno exemplar de Férias em Xangri-lá mudou os meus.
Hoje é Dia do Leitor, 7 de Janeiro, e é por isso, caros leitores, que dedico esse pequeno texto a vocês.
Vocês é que fazem tudo isso valer a pena.
Grande abraço.
O meu foi “Pantanal, Amor Bagua”, do jornalista José Hamilton Ribeiro. Mas poderia citar também “A Ilha Misteriosa “ de Júlio Verne